terça-feira, 25 de agosto de 2009

Vacas (Parte I)


"São máquinas eficientes para a transforma-ção de erva em leite. E têm, se compara-das, com outros tipos de máquina, vantagens indiscutíveis. Por Exemplo: são auto-reprodutivas, e quando se tornam obsoletas, o seu "hardware" pode ser utilizado na forma de carne, couro e outros produtos consumíveis. Não poluem o ambiente, e , até seus refugos podem ser utilizados economicamente como dubos, como material de construção e como combustível. O seu manejo não é custoso e nao requer mão-de-obra altamente especializada. OSão sistemas estruturalmente muito complexos mas, funcionalmente, extremamente simples. Já que se auto-reproduzem, e já que, portanto, a sua construção se dá automaticamente sem necessidade de intervenção de engenheiros e desenhistas, esta complexidade estrutural é vantagem. São versáteis, já que podem ser utilizadas também como geradores de energia e como motores para veículos lentos. Embora tenham certas desvantagens funcionais (por exemplo: sua reprodução exige em si máquinas antieconômicas, "touros" e certos distúrbios funcionais exigem intervenção de especialistas universitários, de veterinários, caros), podem ser consideradas protótipos de máquinas do futuro, que serão projetadas por uma tecnologia avançada e informadas pela ecologia. Com efeito, podemos afirmar desde já que vacas são o triunfo de uma tecnologia que aponta o futuro.


Se considerarmoso seu "design", a nossa admiração pelo inventor da vaca ainda aumenta. Embora se trate de máquina altamente automatizada e controlada por computador instalado dentro da própria máquina (cérebro), e embora o seu funcionamento esteja garantido por sistema cibernético de equilíbrios elétricos e químicos altamente refinados, a forma externa da máquina é de simplicidade e economia de elementos surpreendentes e altamente satisfatórios esteticamente. A impressão que a vaca deixa é a de uma obra bem integrada em si e dentro do seu ambiente. O seu "designer" não se deixou influenciar por tais ou quais tendências estéticas da atualidade (embora possamos descobrir no desenho da vaca certos elementos barrocos indisfarçáveis, e embora seu desenhista traia a influência de certas tendências biologizantes di século passado), mas o "designer" seguiu intuição estética caracteristicamente sua. Por exemplo: a mobilidade elegante do rabo contrasta com a maciça imobilidade do resto da obra e cria tensão apenas sugerida por Cálder e seus seguidores. Mas o que impressiona mais no "design" da vaca é isto: a surpreendente gama de variações que o seu protótipo permite. O protótipo é fundamentalmente simples (tem sido elaborado, por exemplo, por Picasso nas Tauromaquias), mas tal simplicidade mesma permite um número grande de estereótipos diferenciados. Trata-se, no protótipo da vaca, de autêntica obra aberta. Há, entre os estereótipos diferenciados. Trata-se, no protótipo da vacam de autêntica obra aberta. Há, entre os estereótipos, os que se adaptam a mentalidades nacionais e até regionais (vaca suíça, holandesa, inglesa), os que se adaptam paisagisticamente (vacas dos Alpes, dos prados, das estepes), e até estereótipos baratos destinados aos povos subdesenvolvidos (zebu, vaca centro-africana)."
(Flusser, Vilem. Natural:mente - Vários acessos ao significado de natureza. Livraria Duas Cidades, 1979, SP)
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Amante do que me faz sonhar... 19 anos, carioca "paulistana". Variados pensamentos, algumas idéias malucas que surgem do nada, ou coisas interessantes e engraçadas as quais fazem parte do cotidiano, coisas da vida, da mente. Da minha mente. Da mente da Ná! Multipensamentos... Multicoloridos... Multi... Multi... Multimeios!